“É uma rede que se integra para olhar a pessoa que faz uso nocivo de álcool e drogas dentro dessa dimensão mais humana. E tenta, de alguma forma, acompanhá-la para uma trajetória de reabilitação, de se recolocar como um ser capaz de estar na sociedade”, ressalta Flávio Álvares. O problema global das drogas representa um desafio multifacetado que afeta a vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
Vale reiterar, porém, que as diversas categorias usadas para se definir o uso problemático de drogas enfrentam desafios significativos em termos de consistência e abrangência. As definições e critérios variam entre os sistemas de classificação, o que pode resultar em dificuldades na identificação e tratamento de indivíduos afetados. Além disso, a falta de dados epidemiológicos globais e a variabilidade nas manifestações culturais e sociais do uso problemático de drogas podem limitar a eficácia dos diagnósticos e a comparabilidade dos estudos em diferentes contextos.
O cuidado baseado no moralismo, faz com que os profissionais esperem a abstinência do usuário e tratem o sujeito como o único responsável por seus problemas sociais, pelo desenvolvimento da dependência e pelo seu comportamento que por vezes pode ser violento. Ao persistir no discurso moral, esses profissionais terão muita dificuldade em estabelecer um vínculo com o usuário, justamente por não perceber seu mundo igual ao daquele usuário que vivencia o consumo habitual de drogas12. Nesta perspectiva, acreditamos que a consolidação do cuidado singular e integral dos usuários de SPA na ESF perpassa pela percepção e o conhecimento dos profissionais. Assim, este estudo objetivou avaliar as potencialidades e desafios existentes no cuidado a usuários de substâncias psicoativas em uma estratégia de saúde da família através da percepção dos profissionais. Observa-se também que os atores envolvidos com o cuidado mantêm-se operando pela via da guerra às drogas e do paradigma proibicionista, enquanto ignora-se a população que necessita de cuidados na condição de historicamente negligenciados e mantidos à margem da ordem social vigente.
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Verificou-se que a redução do fenômeno das drogas está intimamente ligada à promoção da saúde ao utilizar como estratégia, a identificação e a redução das vulnerabilidades e riscos, que fazem as pessoas adoecerem. Segundo Carvalho (2016) apesar do avanço, o proibicionismo vigente desde os anos 70 reiterou os moldes latinos americano. Após 13 anos de vigência, ainda prevalece o tratamento desumano, dispensado as pessoas usuárias, com internações compulsórias e intervenções truculentas junto aos dependentes. A formação dos tutores e alunos será realizada de forma descentralizada nos estados da federação, respeitando-se as especificidades de cada região. Este projeto está inserido no plano integrado de combate às drogas “Crack, é possível vencer”, sob a responsabilidade da Casa Civil, e prevê a participação de outros ministérios e órgãos do Governo. É evidente que na perspectiva de colaboração, na troca de conhecimentos, na disponibilidade em adquirir novos aprendizados, novos saberes são construídos.
Outros temas abordados, além da importância da existência da Legislação, é mostrar como ela funciona, a quem abarca, como atuam o acolhimento, a reinserção social e econômica de usuários e dependentes, como acontece a repressão à produção e ao tráfico. Sendo assim, mesmo reconhecendo a necessidade de cuidados aos usuários de drogas, a ausência de cuidado também é revelada, quando aparece nas falas que não existe um cuidado específico e nem capacitação para cuidar de quem usa drogas. Alguns profissionais da ESF acreditam que a equipe seja uma das potências tratamento para drogados da unidade, mesmo possuindo pouco conhecimento em saúde mental. A equipe considera-se disposta a aprender e reconhece que o vínculo com o usuário gera uma grande oportunidade de aproximá-lo do serviço de saúde.
Após obter todas as unidades de informação, foi realizada a aproximação entre elas, com o objetivo de tornar possível a análise sob o ponto de vista do grupo de interesse. As categorias identificadas foram exploradas, de forma a buscar responder à questão inicial da pesquisa acerca das concepções de cuidado. O presente artigo concentrou-se nas unidades de registro descritas a seguir, sendo que as categorias “Militância × Tecnicismo” e “Rede de Atenção”, também delimitadas durante a pesquisa, não foram apresentadas nesta oportunidade, sem prejuízo da discussão ora apresentada.
¶ Informações de Governança do Programa
O serviço investigado atende uma população de aproximadamente 9.000 habitantes e conta com duas equipes de Saúde da Família. É uma unidade piloto para o PLANIFICA SUS, que é um projeto voltado para a organização e integração da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Atenção Especializada (AE), que atendem os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), e iniciava o processo de ampliação do cuidado à usuários de substâncias psicoativas através do matriciamento. Os interesses políticos e institucionais de setores que se beneficiam da internação e asilamento dos usuários em CTs, reproduzindo concepções e práticas ideológicas em torno do consumo de drogas, elidem as dimensões sociais, econômicas e culturais que permeiam o que se considera a “questão das drogas”. O subfinanciamento dos Caps Ad em detrimento ao aumento de recursos destinados às CTs podem confirmar que se privilegiem a higienização, a moralização e o controle para determinados segmentos da população eminentemente pobre e inserida de maneira precária na sociedade capitalista neoliberal, nos moldes e limites de nosso país.
Questões como o desemprego, falta de moradia e insegurança alimentar interferem na saúde mental e potencialmente interferem no consumo de álcool e outras drogas. “É preciso pensar como isso está contribuindo para o sofrimento da pessoa quando chega à Unidade Básica de Saúde, por exemplo. E, a partir daí, oferecer um atendimento mais humanizado, em que o profissional reconhece a história desse paciente”, explica. Nesse sentido, é adequado destacar que o consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno histórico-cultural com implicações médicas, políticas, religiosas e econômicas.
A elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) faz parte desse modo de atenção, levando em conta as liberdades individuais, o direito de escolha, o protagonismo dos sujeitos e a propriedade de cada um sobre seu corpo e sua saúde. Concebe-se, aí, que há diferentes indivíduos, diferentes drogas, diferentes maneiras de consumi-las, diferentes motivações para o consumo e diferentes desfechos, sendo, portanto, necessário também que sejam desenvolvidas estratégias diferenciadas, a depender das situações e contextos de uso (Bokany, 2015; Sodelli, 2011). O consumo de substâncias psicoativas tem sido identificado como parte da experiência humana, havendo registros do uso de drogas com vistas a cumprir diferentes finalidades no âmbito social. Práticas curativas, rituais e manifestações religiosas ou simplesmente a busca por prazer são alguns exemplos registrados.
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Se ele chegar também, se não vier encaminhado por outro profissional, que tenha passado ou pelo médico ou pela enfermeira, eu não vou saber, acho que dificilmente eu vou saber se ele é usuário ou não, só se alguém chegar e me disser e se a pessoa tiver interessada no tratamento. A nova política será desenvolvida em conjunto pelos Ministérios da Cidadania, da Saúde, da Justiça e Segurança Pública, dos Direitos Humanos, da Família e Mulher. O Ministério da Cidadania ficará responsável pelo tratamento de dependentes químicos – focado na estratégia da abstinência dos usuários. Os critérios de inclusão foram artigos com dados primários, disponíveis na íntegra, publicados nos idiomas inglês, espanhol e português, no período de janeiro de 2016 a janeiro de 2021. Revisões, teses, dissertações, editoriais, artigos duplicados e estudos que não responderam às questões de pesquisa foram excluídos. Foi delineado um instrumento de coleta de dados, utilizando de forma adaptada as categorias título do artigo, autor, categoria e principais contribuições, seguindo o modelo proposto por Ursi e Galvão20.
De acordo com o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad/MJSP), Paulo Gustavo Maiurino, também estão no radar da prevenção drogas lícitas como o álcool, o tabaco e medicações legais. Nesse contexto, o Planad une população, especialistas e o poder público em um debate sério para enfrentar o problema”, explicou. Identifica-se na presente pesquisa uma tendência a privilegiar uma perspectiva de cuidado que se assenta em uma ideia de individualização. Fala-se de um cuidado restrito ao indivíduo, este concebido a partir de um viés biomédico, liberal, uma mônada circunscrita a si própria, ignorando-se que esse processo deve ser compreendido de maneira mais abrangente, sendo de ordem coletiva, política, econômica e cultural (Paiva & Costa, 2016). Tendo-se por base a ideia de incapacidade, permanece atual a noção de que usuários de serviços de saúde mental requeiram tutela. Porém, experiências anteriores dão visibilidade a problemáticas geradas pelo caráter tutelar de práticas de cuidado, o que não favorece processos criativos e de subjetivação (Amorim & Lavrador, 2017).
Observa-se que a assistência ao usuário de drogas na APS enfrenta grandes desafios que fragilizam o cuidado dessa população. Entre estes desafios se destacam a dificuldade em estabelecer vínculo e o preconceito contra estes usuários, a centralização da assistência em serviços especializados, como o CAPSad, e a persistência no imaginário social do modelo institucionalizante como alternativa mais eficaz. Um dos problemas relacionados ao usuário de crack na APS é o fato de que os atendimentos a esse público referem-se ao tratamento dos sintomas por meio de atendimentos rápidos, que visam apenas à estabilização do paciente, em vez de atenderem também à identificação dos usuários e à prevenção ao uso dessa substância.
A desconfiança para retomar vínculos sociais, as comorbidades associadas ao uso de drogas e a insatisfação com os serviços de saúde reforçam essa descrença25. No mundo, as drogas legais e as ilegais movimentam bilhões de dólares, e envolvem pessoas não apenas pelo consumo, mas pela produção, distribuição e comércio. Aproximar-se da realidade social é uma estratégia para conhecer as necessidades concretas de indivíduos e famílias, bem como as características do território onde vivem e se relacionam.